Já imaginou chegar à escola no início do ano letivo e encontrar um grupo de crianças que só falta subir pelas paredes e ainda ouvir de uma delas que você não serve para dar aula? Ou, ao contrário, encarar uma classe vazia, sem um aluno sequer? O medo de enfrentar situações como essa deixa qualquer um ansioso, até mesmo quem tem anos de magistério. Mas o dia de conhecer os estudantes tem tudo para se tornar inesquecível no bom sentido! E a melhor maneira de conseguir isso é descobrir tudo o que puder sobre a turma.
Leia Mais...Já imaginou chegar à escola no início do ano letivo e encontrar um grupo de crianças que só falta subir pelas paredes e ainda ouvir de uma delas que você não serve para dar aula? Ou, ao contrário, encarar uma classe vazia, sem um aluno sequer? O medo de enfrentar situações como essa deixa qualquer um ansioso, até mesmo quem tem anos de magistério. Mas o dia de conhecer os estudantes tem tudo para se tornar inesquecível no bom sentido! E a melhor maneira de conseguir isso é descobrir tudo o que puder sobre a turma.
No Colégio Apoio, em Recife, no final do ano, os professores já sabem para quem vão lecionar. "Isso é possível porque a equipe é estável e compartilhamos as informações", explica a diretora Rejane Maia. Na rede pública, onde é grande o rodízio de educadores e estudantes, a solução é buscar no início do ano o apoio do diretor e do coordenador. Para montar as classes, eles devem reunir dados sobre os alunos.
A família é uma boa fonte
O contato com pais ou responsáveis também é rico. Em Porto Alegre, os professores de Educação Infantil sempre estão presentes na hora das matrículas. "Dessa maneira, é possível conhecer a família e obter as primeiras impressões sobre o futuro aluno", afirma Neusa Carlan, assessora pedagógica da Secretaria Municipal de Educação.
Bem informado sobre quem você vai encontrar, fica mais fácil organizar uma recepção para a turma no primeiro dia de aula. Uma boa solução é dispor as cadeiras em círculo e convidar cada um a falar de si. Você está incluído! O momento é propício ainda para combinar as regras de convivência.
Nesse primeiro bate-papo recolha dados para seu planejamento. Se a classe for de adolescentes, você pode expor o programa da disciplina e pedir que falem sobre suas expectativas. Para que esse dia e os demais sejam produtivos, é importante que você domine os conteúdos que vai ensinar e tenha a clareza de onde quer chegar com a aprendizagem. Se precisar, recorra à coordenação, que pode auxiliar você na solução de problemas e na indicação das melhores leituras.
Veja, a seguir, como seis professores driblaram os problemas do primeiro dia de aula e ainda saíram fortalecidos.
"Me preparei para receber a classe de alfabetização formada por jovens de 13 a 22 anos e... ninguém apareceu." Lininalva Rocha Queiroz, professora nota 10 de 2001, de Salvador
O primeiro dia de aula de 1999 foi especialmente difícil para mim. Eu e os outros professores da Escola Municipal Barbosa Romeo estávamos passando por um curso de formação para receber os alunos do Projeto Axé, que atende crianças e jovens que vivem em situação de risco. Eles representavam 90% dos alunos. Os demais eram moradores da comunidade. Sabia que a minha classe era formada pelos estudantes mais velhos, com idade entre 13 e 22 anos, em nível de alfabetização. Alguns já tinham um histórico de evasão e reprovação escolar e outros entrariam pela primeira vez em uma sala de aula. O combinado com eles era o seguinte: num período freqüentar as aulas e no outro, o Axé, onde eram oferecidas atividades artísticas. Eu estava ansiosa. Tinha preparado uma recepção e um diagnóstico inicial para avaliar o aspecto cognitivo e o conhecimento de mundo que eles possuíam. A sala estava toda organizada e... ninguém apareceu. Nas outras classes, pelo menos metade dos estudantes tinha comparecido. Me senti rejeitada e comecei a chorar. Minha coordenadora veio me consolar e pediu que eu fosse às outras classes para ajudar minhas colegas. No dia seguinte, apareceram seis alunos e ao longo do mês a turma foi aumentando. Perguntei porque eles faltavam e eles responderam com a maior tranqüilidade que só iam à escola porque eram obrigados. A verdade é que alguns sentiam pavor de estar lá e outros não tinham nenhum interesse. Curiosamente, foram eles que me deram gás para desenvolver o trabalho com o qual fui premiada pela Fundação Victor Civita, em 2001. Aos poucos, e baseada no que os jovens conheciam, fui propondo atividades que dessem prazer a eles. Consegui alfabetizar os alunos e desenvolver o senso crítico deles. Para minha felicidade, no final de 2003, essa turma concluiu o Ensino Fundamental com uma grande comemoração.
"Fui alertada sobre o comportamento dos alunos de aceleração: eram rebeldes, chegavam atrasados. Fiquei com muito medo." Dora Ferreira França, Diretora da Escola Estadual Albino Tavares, em Boa Vista.
Já lecionava há 10 anos para turmas de 1ª a 4ª série quando fui fazer um estágio exigido pelo curso de Letras da Universidade Federal de Roraima. Consegui uma vaga como substituta na rede estadual. Era uma classe de aceleração, de 8ª série, no noturno. A idade dos alunos variava entre 16 e 21 anos. A professora titular me alertou sobre o comportamento deles. Eram rebeldes, chegavam atrasados, tumultuavam a aula. Fiquei com muito medo. Minha voz estava trêmula e pouco consegui fazer naquele dia. Na aula seguinte, resolvi transformar o medo em coragem. Perguntei com o que queriam trabalhar. Elegemos um tema para pesquisa de campo. Tudo o que traziam para a sala de aula era gancho para discutir a língua. Um dos alunos se atrasava todos os dias mas eu não o repreendia e sempre procurava ajudá-lo. No final do ano letivo ele tinha o mesmo nível de aprendizagem que os colegas. Isso me fez ver que estava no caminho certo.
"As crianças da pré-escola corriam, gritavam. Uma garotinha chegou a me dizer que eu não servia para ser professora deles." Mari Grace Martins, Professora de Apoio da Secretaria Municipal de Educação de São Bernardo do Campo.
Minha estréia na carreira foi na Escola Paulistinha, que atendia os filhos dos funcionários do Hospital São Paulo. Era uma turma de pré-escola, de 5 anos. Recém-formada no Magistério, não tinha muita ideia sobre como as crianças pensavam ou o que fazer para mediar conflitos. Estava muito insegura. A coordenadora me recomendou que não gritasse com as crianças. Achei estranho. Quando entrei na sala os alunos corriam, gritavam. Eu pedia calma mas não adiantava. Uma garotinha chegou a me dizer que eu não servia para ser professora deles. Foi um choque! Nesse momento, coloquei em dúvida se queria mesmo ser professora. Comecei a conversar com outras pessoas, buscar materiais, músicas, brincadeiras e assim fui construindo uma relação com a turma. A partir do terceiro dia, as coisas estavam melhores. Sei que esse desafio foi o que me fez prosseguir na carreira.
"A professora que me apresentou à turma de 2ª série pegou um menino pelo braço e o sacudiu. Não consegui mais dar aula." Fátima Peres de Araújo, Professora de Apoio da Secretaria Municipal de Educação de São Bernardo do Campo.
Logo depois de concluir o curso de Magistério fui substituir uma professora em uma escola estadual. Não era concursada, e sim contratada em caráter temporário. A turma era de 2ª série, muito difícil e com um histórico de repetência. Eu, novata, tinha muito medo da indisciplina dos alunos. Fui para a sala de aula com uma professora que iria me apresentar aos alunos. Como eles não ficavam quietos, essa educadora pegou um garoto pelo braço e o sacudiu. Depois, olhou para mim e disse: "Crianças como esta aqui você tem de tratar assim". Naquele dia, tive a certeza de que não queria compartilhar daquela situação. Cheguei a substituir uma docente ou outra, mas não conseguia dar aula como deveria. Em agosto do mesmo ano, consegui um emprego em um metalúrgica. Lá, eu era responsável pelo controle de qualidade. Na época, todos ficaram chocados. Minha mãe me dizia: "Eu não acredito que trabalhei tanto para você se formar e você não vai ser professora?" Fiquei quatro anos trabalhando nessa empresa. Quando fui demitida, resolvi me dar mais uma chance, influenciada por uma tia professora. Passei em dois concursos e fui trabalhar na prefeitura. Quando voltei a lecionar, aquele primeiro dia me voltava sempre à mente. Muitas vezes eu não sabia o que fazer, mas tinha certeza sobre o que não fazer. Aos poucos percebi que os problemas que acontecem na sala de aula muitas vezes não estão nas crianças, mas em mim. Hoje, quando não consigo resolver um conflito, procuro logo ajuda.
"Me formei em Educação Física e fui lecionar para crianças de 5 anos. Fiquei com receio de não entender a linguagem dos pequenos." Rogério Costa Würdig, Professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Pelotas (RS).
Quando me formei em Educação Física fui lecionar em uma escola particular de Porto Alegre. Minha primeira turma era de Educação Infantil e fiquei com receio de não entender a linguagem de crianças tão pequenas. Queria fugir da apresentação clássica, em que os garotos dizem nome e idade. Isso era muito formal para aquela faixa etária. Pensei em algo lúdico: a proposta era que cada um representasse um animal. Comecei dizendo que gostava muito de bichos e, de pronto, eles responderam que também gostavam. Aí pedi para que cada um escolhesse o seu preferido e o imitasse. Esse trabalho me permitiu avaliar que tipo de animais as crianças conheciam, se eram de zoológico ou de desenhos animados, selvagens ou domésticos. Com essas informações, foi possível perceber a vida que levavam. Direcionei o olhar para o cultural e não fiz uma avaliação psicológica. Depois dessa atividade, as crianças começaram a se soltar. Acho que foi um sucesso porque ao terminar a aula eles não queriam que eu fosse embora.
"Os jovens não gostam de professores de Matemática e todo começo de ano sentia a mesma dificuldade de me relacionar com eles." Maria Luiza Casali Martau, Professora da Escola Municipal Leocádia Felizardo Prestes, em Porto Alegre.
Normalmente os alunos não gostam dos professores de Matemática. E o motivo é a própria disciplina. Acho que deve ser porque trabalhamos muito sozinhos, na hora de resolver um problema, por exemplo. Mas esse tipo de comportamento sempre me incomodou. Todo começo de ano letivo sentia a mesma dificuldade de relacionamento com os alunos. Não sabia mais o que fazer e precisava tornar essa relação escolar mais humana. Já tinha quase dez anos de magistério quando percebi que a garotada gostava de responder às perguntas dos diários pessoais dos colegas e resolvi aproveitar a idéia. Elaborei um questionário com questões sobre família, namoro, comunidade e outros temas do interesse deles e apliquei no primeiro dia de aula. Desde então, eu faço sempre isso para conhecer melhor meus alunos. Também peço para eles me contarem as coisas boas sobre a Restinga, o bairro onde moram que fica na periferia de Porto Alegre. Também falo de mim e eles se identificam com minhas origens. Isso ajuda a derrubar a barreira tão comum no primeiro dia. Em casa, leio todos os questionários e depois comento com eles as coisas que foram escritas. Desde então, tenho conseguido estabelecer um laço afetivo com os meus alunos antes de entrar com o conteúdo.
Cristiane Marangon (novaescola@atleitor.com.br)
Publicado em janeiro de 2004, no site da Revista Nova Escola.
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